A geração eterna do Filho de Deus

 


Compreender a doutrina da Trindade é algo desafiador para muitos cristãos leigos. Um clássico questionamento está na conciliação das afirmações de Jesus Cristo ser “Deus” e “Filho de Deus”. Como poderia alguém ser filho de si mesmo? Aos que tem um entendimento melhor da doutrina, como Deus ser três Pessoas (Pai, Filho e Espírito Santo) e ao mesmo tempo um único Deus, ou até que a unidade se dá na natureza e a trinitaridade, na Pessoa, é comum uma questão mais profunda: se o Filho foi gerado pelo Pai, como ele pode ser eterno como Pai? Ora, se Ele é Filho, precisa ser gerado, mas se é Deus, precisa ser eterno!

Nós, cristãos, nos chamamos de irmãos porque cremos que Deus é nosso Pai. São Paulo escreveu: “Vós todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus, pois todos vós, que fostes batizados em Cristo, vos vestistes de Cristo” (Gl 3:26). Isso mostra que Deus nos adotou por meio de seu Filho. Um dos importantes credos históricos afirma o Filho é “Deus de Deus, Luz da Luz, Verdadeiro Deus de Verdadeiro Deus; gerado, não criado, consubstancial com o Pai” (Credo Niceno). Percebe-se uma ênfase interessante: “gerado, não criado”. Segundo Lewis (2017, p. 208), “o que Deus gera é Deus; da mesma forma que o que o ser humano gera são seres humanos. O que Deus cria não é Deus; da mesma forma que aquilo que o ser humano cria não é ser humano”.

Sabemos como a geração humana ocorre: um macho humano (pai) e uma fêmea humana (mãe) unem-se sexualmente gerando bebês humanos (filhos). Porém, na geração divina, existem duas principais diferenças. A primeira é que uma única Pessoa, o Pai (que também pode ser chamada de Mãe, pois sexo e gênero são qualidades humanas), gera sozinha outra Pessoa, o Filho (uso no masculino, mesmo Jesus sendo homem apenas em sua natureza humana). A segunda é que, como Deus habita a Eternidade, não estando sujeito ao espaço e ao tempo como os seres humanos, tanto a Pessoa geradora (Pai ou Mãe) quanto a Pessoa gerada (Filho) existem eternamente. Filhos humanos surgiram depois de seus pais humanos, mas o Filho Divino é eterno como o Pai Divino.

Geralmente, as pessoas que negam a filiação eterna admitem que antes da encarnação já havia a Segunda Pessoa. Todavia, elas creem que a noção de Filho apareceu somente na encarnação ou em outro período da vida do Messias, como em seu batismo, em sua ressurreição ou em sua exaltação à destra do Pai. Conquanto não neguem a divindade e a eternidade da Segunda Pessoa, elas negam que sua filiação divina seja eterna (CAMPUS, 2003, p. 64).

A respeito disso, se o Filho não é gerado eternamente pelo Pai, o Filho não é eternamente Filho nem o Pai é eternamente Pai. Isso poderia causar grandes problemas na doutrina da Trindade. “Jesus Cristo é o mesmo, ontem e hoje; ele o será para sempre” (Hb 13:8). O mesmo se aplica ao Pai e ao Espírito Santo, pois habitam a Eternidade. Logo, o Pai teria de ser Pai eternamente, não ter se tornado Pai, e o Filho teria de ser Filho eternamente, não ter se tornado Filho. Um pai humano e uma mãe humana se tonaram pais a partir do momento que geraram um filho humano; porém, ser “pai” ou “mãe” não os define completamente. Contudo, o que define a Primeira Pessoa é ser Pai. Por isso, sua paternidade precisa ser eterna e, consequentemente, a filiação da Segunda Pessoa também precisa ser eterna.

 

REFERÊNCIAS:

CAMPUS, Heber Carlos de. A Doutrina da Filiação Eterna. Fides Reformata, v. 3, n. 1, p. 63-78, 2003.

LEWIS, C.S. Cristianismo puro e simples. Traduzido por Gabriele Greggersen. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017.

Livro de oração comum. – 2. ed. – Porto Alegre: Livraria Anglicana; Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, 2021.

Bíblia de Jerusalém. – 1. ed. – São Paulo:  PAULUS, 2002.


Por Alexandre Dettmann Kurth, graduando em Licenciatura em Matemática pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes). Cristão católico apostólico evangélico episcopal anglicano entusiasta da Filosofia, da Teologia e das Ciências das Religiões e simpatizante de religiões asiáticas, como o Sanatana Dharma, o Buddha Dharma e o Taoísmo.

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